Um dos argumentos mais importantes contra o ensinamento escatológico pré-tribulacionista é o fato deste ensinamento não estar presente nos escritos da Igreja primitiva. Muitos são os exemplos de pais da Igreja que demostram posição claramente pós-tribulacionista, entre eles podemos citar Irineu, Justino, Papias, Tertuliano, Agostinho, e outros mais. Nestes estudos sobre a escatologia primitiva que divulgo no blog, sempre cito alguns destes cristãos que marcaram a história do cristianismo não só pela profundidade de seus ensinamentos mas também pelo compromisso que tiveram com Cristo a ponto de sua maioria ser martirizada por amor a Ele. Houve erros? Sim houve, e estes erros foram se acumulando com o passar do tempo, principalmente depois que o cristianismo deixou de ser perseguido para ser a religião oficial do império romano, que depois se tornou a Igreja Católica Apostólica Romana. Porém, lendo os escritos de pais da Igreja até parte do quarto século, percebemos nos seus escritos um cristianismo mais puro e responsável com Cristo. Reparamos que estes homens ainda não haviam se contaminado com o paganismo extremo, nem se afastado tanto das Escrituras, o que ocorreu de forma gradativa, porém rápida, nos séculos seguintes.
Portanto, seus escritos, apesar de não serem canônicos, nem terem a força e inspiração das Escrituras, são extremamente importantes sim para analisarmos qual era a fé primitiva e histórica da Igreja. Apesar de certas diferenças entre eles, uma coisa pode ser reparada: a unidade quando se fala da segunda vinda de Cristo. Para praticamente todos os principais pais, a Igreja permanecerá na terra até a segunda vinda de Cristo, gloriosa, após sofrer a perseguição do anticristo.
Entretanto, tem sido espalhado na internet uma suposta prova da presença do ensinamento do pré-tribulacionista muito antes de Darby, na era patrística, em um sermão de Efraim da Síria.
Antes vamos conhecer um pouco mais sobre Efraim. Ele nasceu por volta do ano de 306 d.C. na cidade de Nisibis (atualmente a cidade de Nusaybin, na Turquia próximo à fronteira com a Síria) que tinha se tornado parte do Império romano apenas em 298 d.C. Evidências internas da hinódia de Efraim sugerem que seus pais eram parte da crescente comunidade cristã da cidade, embora hagiógrafos posteriores escrevessem que seu seria um sacerdote pagão. Efraim foi professor, diácono e compôs muitos hinos e comentários bíblicos. Sucumbiu à peste enquanto ministrava às suas vítimas. A data mais confiável de sua morte é 9 de junho de 373.
Um dos seus escritos foi sobre o "fim dos tempos, o anticristo e o fim do mundo" datado aproximadamente em 373 A.D. O trecho deste sermão escrito que tanto tem sido usado como prova cabal da presença do pré-tribulacionismo na era patrística é:
"...Porque os santos e escolhidos serão reunidos antes da tribulação que há de vir, e serão levados ao o Senhor para não verem a confusão que dominará o mundo por causa dos pecados..."
Estaríamos então diante de um pré-tribulacionista em plena era patrística?
Sobre esta "grande descoberta" explica Hank Hanegraaff:
"Antes de Darby essa ideia nunca havia sido conhecida no corpo de Cristo. Harry Ironside, um dispensacionalista, desafiava aos que não aceitavam essa posição: 'Procurem, assim como eu procurei, as declarações dos chamados Pais da Igreja, nos períodos anteriores e posteriores a Nicéia; os comentários teológicos dos eruditos; os escritores católico romanos de todas as correntes de pensamento; a literatura da Reforma; os sermões dos puritanos; as obras teológicas da atualidade, e perceberão a notável ausência desse mistério'. Ironside, a quem LaHaye considera como um de seus 'heróis', costumava, contraditoriamente, também dizer: 'Quando você ouvir algo novo, examine-o cuidadosamente, porque pode ser um erro'.
LaHaye seguiu o conselho de seu 'herói' e esforçou-se para tentar demonstrar que o arrebatamento pré-tribulacional da Igreja não é algo novo. Como evidência, menciona 'a emocionante descoberta de uma declaração contida num sermão apocalíptico do século IV, de Pseudo-Efraim', apresentada por Grant Jeffrey [48]. Jeffrey disse que havia levado 'uma década' procurando, mas que valeu a pena: 'O texto efraimita revela uma declaração clara sobre o retorno pré-tribulacionista de Cristo para levar seus santos ao céu a fim de que escapem da Tribulação'.
Assim como LaHaye, o filósofo e teólogo Norman Geisler ficou emocionado com a descoberta de Grant Jeffrey. Para fortalecer sua posição dispensacionalista ele menciona uma declaração de Jeffrey que diz que 'o manuscrito efraimita revela que a perspectiva pré-tribulacionista existia desde o século III'. Sua opinião é de que os primeiros Pais da igreja primitiva, 'tais como Efraim da Síria, eram abertamente pré-tribulacionistas'. Portanto, assim como LaHaye, Geisler não aceita o argumento de que o conceito de arrebatamento pré-tribulacionista teve origem no século XIX. Segundo Geisler, quem pensa desse modo está cometendo um erro. As declarações de Geisler a esse respeito circulam amplamente como demonstração de autoridade final. Não obstante, seguindo a orientação do Dr. Ironside, seria bom 'examinar cuidadosamente' o sermão efraimita para ver se depois de uma década de buscas, os dispensacionalistas realmente conseguiram encontrar um precedente histórico do arrebatamento pré-tribulacionista anterior ao século XIX.
Para começar, é instrutivo perceber que enquanto Norman Geisler atribui o sermão em questão a “Efraim da Síria”, no “século III”, Tim LaHaye acredita que esse sermão pode ser de autoria de “um certo Pseudo-Efraim” que teria escrito “talvez entre os anos 565 e 627” [53]. Sem importar quem de fato o escreveu e quando, podemos dizer com certeza absoluta que nenhuma tradição de arrebatamento pré-tribulacionista se originou nele ou se desenvolveu a partir dele. Ainda mais importante, como sabem os historiadores e os teólogos sérios, uma simples pesquisa nos escritos de Efraim revela que ele era pós-tribulacionista, e não pré-tribulacionista. Não somente isto, mas o próprio sermão apresentado pelos dispensacionalistas como “evidência” de suas ideias, utiliza claramente a tradição do arrebatamento pós-tribulacionista do verdadeiro Efraim."
Bem, como é comum no ensinamento pré-tribulacionista, o contexto é ignorado ou omitido, e uma interpretação falsa é espalhada como se fosse verdade absoluta. Aqui neste texto de Efraim não é diferente. O texto que esta sendo espalhado por aí como se fosse prova cabal da presença do pré-tribulacionismo na patrística é na verdade apenas uma frase de um sermão escrito o qual tem um contexto, e este não esta devidamente revelado. Segue abaixo o contexto completo da qual foi tirada esta frase, sem cortes, sem mutilações, e vejamos se Efraim realmente era um pré-tribulacionista dispencionalista em plena era patrística.
"Nós devemos compreender perfeitamente por isso, meus irmãos, o que é iminente ou pendente. Houve fomes e pestes, abalos violentos das nações e sinais, os quais foram previstos pelo Senhor, e foram cumpridos (consumados), e nada mais resta, exceto a vinda do iniquo [o homem do pecado] na plenitude do reino romano. Por que estamos ocupados com os negócios do mundo, e nossa mentalidade nos desejos pecaminosos deste mundo ou nas preocupações deste tempo? Portanto, porque não rejeitamos cada preocupação com as coisas terrenas e nos preparamos para o encontro com nosso Senhor Jesus Cristo, para que nos leve da confusão que oprime o mundo? Acredite-me, queridos irmãos, porque a vinda (chegada) do Senhor está próxima, acredite em mim, porque o fim do mundo está próximo, acreditem, porque é o verdadeiro final dos tempos. Ou não irão crer a menos que vejam com seus próprios olhos? Vejam que esta frase não se compre em vocês como declara o profeta: "Ai dos que desejam ver o dia do Senhor!" Porque os santos e escolhidos serão reunidos antes da tribulação que há de vir, e serão levados ao o Senhor para não verem a confusão que dominará o mundo por causa dos pecados. E assim, meus queridos irmãos, é a décima primeira hora, e o fim do mundo vem com a ceifa, e os anjos armados e preparados, com foices nas mãos, esperando o império do Senhor. "
Querido leitor do blog. Analisando o contexto imediado percebemos diferenças claras entre a escatologia de Efraim e a pré-tribulacional dispencionalista.
Para Efraim, quando escreveu o texto, a vinda do Senhor e o fim do mundo estavam próximos e as os sinais já haviam se cumprido, exceto um, a vinda do anticristo. Esta afirmação jamais sairia da boca de um pré-tribulacionista pois isto significaria que a vinda do homem do pecado é iminente e um sinal que falta para a vinda do Senhor e do fim do mundo.
Veja também a tribulação citada no texto, que tem sido associada a todo período da Grande Tribulação pelos pré-tribulacionistas, nada mais é que o fim do mundo, o dia do Senhor, na qual o mundo será atribulado pela presença gloriosa do Senhor e dos seus santos anjos. A reunião dos santos e escolhidos é uma referência a segunda vinda de Cristo (Mateus 24:30-31). A décima primeira hora é uma referência à parábola das dez virgens (Mateus 25:1-13). A ceifa é uma referência a separação do trigo e do joio (Mateus 13:36-43) que é o fim do mundo. Os anjos armados com foices nas mãos, preparados para a ceifa, é referência direta a Apocalipse 14:14-20 que ocorre no fim da Grande Tribulação.
Apocalipse 14:14-20
E olhei, e eis uma nuvem branca, e assentado sobre a nuvem um semelhante ao Filho do homem, que tinha sobre a sua cabeça uma coroa de ouro, e na sua mão uma foice aguda.
E outro anjo saiu do templo, clamando com grande voz ao que estava assentado sobre a nuvem: Lança a tua foice, e sega; a hora de segar te é vinda, porque já a seara da terra está madura.
E aquele que estava assentado sobre a nuvem meteu a sua foice à terra, e a terra foi segada.
E saiu do templo, que está no céu, outro anjo, o qual também tinha uma foice aguda.
E saiu do altar outro anjo, que tinha poder sobre o fogo, e clamou com grande voz ao que tinha a foice aguda, dizendo: Lança a tua foice aguda, e vindima os cachos da vinha da terra, porque já as suas uvas estão maduras.
E o anjo lançou a sua foice à terra e vindimou as uvas da vinha da terra, e atirou-as no grande lagar da ira de Deus.
E o lagar foi pisado fora da cidade, e saiu sangue do lagar até aos freios dos cavalos, pelo espaço de mil e seiscentos estádios.
Mateus 13:36-43
Então, tendo despedido a multidão, foi Jesus para casa. E chegaram ao pé dele os seus discípulos, dizendo: Explica-nos a parábola do joio do campo.
E ele, respondendo, disse-lhes: O que semeia a boa semente, é o Filho do homem;
O campo é o mundo; e a boa semente são os filhos do reino; e o joio são os filhos do maligno;
O inimigo, que o semeou, é o diabo; e a ceifa é o fim do mundo; e os ceifeiros são os anjos.
Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste mundo.
Mandará o Filho do homem os seus anjos, e eles colherão do seu reino tudo o que causa escândalo, e os que cometem iniqüidade.
E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de dentes.
Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
Mateus 24:30-31
Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória.
E ele enviará os seus anjos com rijo clamor de trombeta, os quais ajuntarão os seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus.
Vemos então que a confusão e tribulação da qual serão livres os "santos e escolhidos" não ocorre 7 ou 3 anos e meio antes do fim do mundo mas sim no próprio fim do mundo como ensina o próprio Efraim: "Acredite-me, queridos irmãos, porque a vinda (chegada) do Senhor está próxima, acredite em mim, porque o fim do mundo está próximo, acreditem, porque é o verdadeiro final dos tempos". Isto nos leva ao texto inspirado de Paulo:
2 Tessalonicenses 1:4-10
De maneira que nós mesmos nos gloriamos de vós nas igrejas de Deus por causa da vossa paciência e fé, e em todas as vossas perseguições e aflições que suportais;
Prova clara do justo juízo de Deus, para que sejais havidos por dignos do reino de Deus, pelo qual também padeceis;
Se de fato é justo diante de Deus que dê em paga tribulação aos que vos atribulam,
E a vós, que sois atribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu com os anjos do seu poder,
Como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo;
Os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seu poder,
Quando vier para ser glorificado nos seus santos, e para se fazer admirável naquele dia em todos os que crêem (porquanto o nosso testemunho foi crido entre vós).
Logo, diante do exposto, só podemos concluir que Efraim, o sírio, não era pré-tribulacionista mas sim pós-tribulacionista como todos os outros pais da Igreja em toda a era patrística.
Deus te abençoe.
Fernando Alves Lima Jr.
Fontes:
http://www.projetoomega.com/questionamentos.htm
http://salvacioneterna.com/revisionismo.pdf
Shalom.
ResponderExcluirPerfeito argumento,pois é assim que se faz uma boa exegese. Eu era pré-Tribulacionista,mas hoje sou pós convicto. Sou pré-milenista histórico e não dispensacionalista. Derby e Scofield causaram um ''alvoroço'' com a doutrina do rapto secreto,mas quem é um estudante sério das escrituras,consegue se libertar destas falácias sem fundamento. Parabéns!!!
Sei não.... Na realidade acho que ele não era nem um nem outro. Ele acreditava que o fim do mundo estava acontecendo, que era ali, naquele tempo, ele afirmava isso. Ele acreditava que o único sinal que faltava era a aparição do anticristo, mas como??? Tanta coisa que acontece em Apocalipse e ele achou mesmo que já tinha acontecido? Todas as catástrofes?
ResponderExcluirBem, quando ele fala que "nada mais resta, exceto a vinda do iniquo [o homem do pecado]" acredito que esteja subentendido aqui todo o período de sua operação, em outras palavras, resta vir o anticristo, com todo o seu poder maligno e engano, para assim, depois deste período de domínio da besta, vir o fim do mundo. Quando Paulo em 1 Tess 2 fala que a vinda do Dia de Cristo (nossa reunião com Jesus) não acontecerá sem que antes venha o anticristo, acredito que, da mesma forma, esteja subentendido ai todos os atos do iniquo, desde seu surgimento até sua derrota pelo assopro da boca de Cristo em sua vinda. Acredito que Efraim esteja neste mesmo entendimento.
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