A IGREJA PASSA PELA GRANDE TRIBULAÇÃO?
(Autor: Bispo José Ildo Swartele de Mello)
Os pré-tribulacionistas afirmam que Deus não permitirá que a Igreja sofra no período da Grande Tribulação. Mas, na Bíblia, não existe nenhum versículo que ensine que a Igreja não passará pela Grande Tribulação, nada existe também sobre uma Segunda Vinda de Cristo em duas fases ou etapas, separadas por sete anos de Grande Tribulação, e também não há nada sobre um arrebatamento “secreto”, pois não há nada de secreto e silencioso nos relatos que descrevem o arrebatamento da Igreja (1 Ts 4.16-17; Mt 24.31). Outra incongruência deste ponto de vista se pode ver na idéia de um arrebatamento para tirar a Igreja e o Espírito Santo da Terra antes da manifestação do anticristo. Se este fosse o caso, o anticristo seria anti o quê? Isto de remover a Igreja e o Espírito Santo e aí sim termos a conversão de Israel num período curto de 7 anos, é uma ofensa ao ministério da Igreja e do Espírito Santo. Um reducionismo da Missão da Igreja e do Espírito injustificável que promove escapismo e alienação, além de ferir o bom senso. Agora, vamos nos concentrar aqui mais em demonstrar que a Bíblia ensina claramente que a Igreja passará pela Grande Tribulação.
Jesus deixou claro que o primeiro requerimento para se ser cristão é “tomar a cruz” (Mc 8.34). Jesus disse também que “não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros” (Jo 15.20, cf 13.16, Jo 16.33), devendo o discípulo sempre ter a consciência de que, seguir o Servo Sofredor, que na cruz morreu, é se identificar com ele em todos os sentidos, não somente na glória da sua ressurreição, mas também na dor de seu sofrimento na cruz. E Paulo deixa bem claro que o cristão possui uma sina de sofrimento quando diz: “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo, e não somente de crerdes nEle” (Fl. 1.29) Paulo exortava os cristãos a permanecerem firmes na fé “mostrando que, através de muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus” (At 14.22). São numerosos os textos que falam a respeito do sofrimento da Igreja e do cristão.i
A Igreja em todos os tempos sofreu perseguições fortíssimas. Como é que os cristãos primitivos poderiam entender que Deus não permitiria que a Igreja passasse pela Grande Tribulação sendo eles próprios vítimas de toda sorte de crueldades e sofrimentos, quando cristãos eram mortos por amor a Cristo aos milhares? Os primeiros séculos da era cristã são conhecidos como a Era dos Mártires. O Apóstolo Paulo não nos dá esperança de escape ao sofrimento, pelo contrário, ele diz aos cristãos de Roma: “Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o matadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores por meio daquele que nos amou.” (Rm 8.35-37). Paulo ainda diz: “Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2 Tm 2.12). O livro de Apocalipse tem como propósito confortar e animar cristãos que estão em grande tribulação (Ap 1.9; 2.3,9,10,13; 6.9s; 7.9-17; 11.1-10; 12.11, 17; 13.7,8; 14.1-5,13).
O apóstolo Paulo ensina que a Segunda Vinda de Cristo e a nossa reunião com ele, reunião esta que se dá através do arrebatamento, conforme 1 Tessalonicense 4.16,17,ii “não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição, o qual se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus, ou objeto de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus.” (2 Ts 2.3b,4). Os próprios dispensacionalistas concordam que o Anticristo se revela dando início ao período da Grande Tribulação. Portanto, o apóstolo nos garante que a Segunda Vinda de Cristo e a nossa reunião com ele (o arrebatamento) só se dará após a revelação do “homem da iniqüidade”. O contexto é claro: os cristãos tessalonicenses estavam sendo perturbados por aqueles que ensinavam que Cristo poderia vir a qualquer instante e que até já havia se dado a vinda de Cristo (2 Ts 2.2). Sabemos que o que os tessalonicenses esperavam era a Segunda Vinda de Cristo que desencadearia o arrebatamento da Igreja (2Ts 1.10). Em outras palavras, aqueles cristãos tinham a expectativa do arrebatamento conforme foram instruídos pelo apóstolo (1 Ts 4.13-18). Paulo, então, procura acalmá-los dizendo que são falsos os ensinos que dizem que o arrebatamento chegou (v.2), pois isto não acontecerá sem que primeiro ocorram a apostasia e a revelação do iníquo, o que é o mesmo que dizer que o arrebatamento da Igreja não se dará antes do período da Grande Tribulação. Ao contrário, Paulo lembra que a Segunda Vinda de Cristo e a nossa reunião com ele (v.1) se dará posteriormente a manifestação do Anticristo: “então de fato será revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca, e o destruirá, pela manifestação de sua vinda” (v.8). Paulo não nos informa o que ou quem é que está detendo a manifestação do iníquo (v.6,7) mas, certamente, como vimos não se trata do arrebatamento da Igreja, pois Paulo deixa claro que o arrebatamento só se dará após a revelação do Anticristo.iii
O ensinamento de Paulo se encaixa perfeitamente com o ensino de Cristo, que afirmou: “Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento e os poderes dos céus serão abalados. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do homem vindo sobre as nuvens do céu com poder e muita glória. E ele enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus” (Mt 24.29-31). Cristo ensina claramente que sua Segunda Vinda, o que inclui a nossa conseqüente reunião com ele, só se dará “logo em seguida à tribulação daqueles dias”. O ensino de Jesus e de Paulo era pós-tribulacionista. Os tessalonicenses não poderiam estar esperando um arrebatamento para os livrar da Grande Tribulação, pois eles estavam instruídos a respeito de que o desígnio de Deus para os cristãos é de tribulação: “a fim de que ninguém se inquiete com estas tribulações. Porque vós mesmos sabeis que estamos designados para isto” (1 Ts 3.3, ver também v.7; 2 Ts 1.4-7); como ensinou Jesus: “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim... Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: Não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros... Tudo isto, porém, vos farão por causa do meu nome, porquanto não conhecem aquele que me enviou... Tenho-vos dito estas coisas para que não vos escandalizeis. Eles vos expulsarão das sinagogas; mas vem a hora em que todo o que vos matar julgará com isso tributar culto a Deus... Esta coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo passais por aflições; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo”. (Jo 15.18, 20, 21; 16.1,2,33).
Ainda sobre 2 Tessalonicenses 2, recomendo a leitura dos seguintes textos para se compreender melhor o significado que o Novo Testamento dá à expressão “dia do Senhor” (v.2): 1 Co 1.8; 5.5; 2 Co 1.14; 1 Ts 5.2; Fl. 1.10; 2.16; 2 Pe 3.10, 12; Ap 16.14 e Lc 17.24. Qualquer tentativa de distinguir entre o Dia do Senhor e o Dia de Cristo e encontrá-los em dois diferentes programas escatológicos, um para Israel e outro para a Igreja está fadada ao fracasso, pois, para os cristãos do Novo Testamento, Jesus é o Senhor! (Fl. 2.11; Rm 10.9). Ladd diz que a vinda de Cristo, para reunir seu povo, tanto os vivos como os mortos, para si (1 Ts 4.13-17), é chamada de o Dia do Senhor (1 Ts 5.2), como o é sua vinda para julgar os infiéis (2 Ts 2.2).iv
Contra a posição pré-tribulacionista temos ainda que nenhum texto tem sido encontrado em apoio a esse ponto de vista, nem nos escritos dos primeiros séculos, nem em escritos posteriores, até 1830, com Darby. Entretanto, inúmeros textos antigos atestam que o ensino cristão primitivo era de que a Igreja iria passar pela Grande Tribulação. George E. Ladd concluiu seus estudos sobre o período patrístico afirmando: “Cada pai da Igreja que trata do assunto prevê que a Igreja sofrerá às mãos do Anticristo”. v
O próprio Walvoord, um dos maiores expoentes do dispensacionalismo, chega a admitir que “pré-tribulacionismo”, i.é., uma vinda de Cristo antes da grande tribulação da Igreja, não é explicitamente ensinada na Escritura.vi Ladd comenta dizendo que o fato é que a esperança da Igreja não é um evento secreto, não visto pelo Mundo. A esperança cristã é o aparecimento visível da glória de Deus, no retorno de Cristo (Tt 2.13), a revelação ao mundo de Jesus como Senhor, quando ele vier com os anjos do seu poder (2 Ts 1.7).
Um texto usado pelos pré-tribulacionistas em defesa de que a Igreja não passará pela grande tribulação é o de Apocalipse 3.10: “Porque guardaste a palavra da minha perseverança, também eu te guardarei (tereo) da (ek) hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra.” Erickson faz uma excelente exegese do texto dizendo que o sentido primário da preposição ek, “sair de dentro”, refuta a interpretação pré-tribulacionista do versículo. Para a Igreja emergir de dentro da hora do teste, deve ter estado presente durante aquele teste. O mesmo se dá em Apocalipse 7.14, onde os mártires saem “fora da (ek) grande tribulação”. A pergunta importante é por que João não empregou apo em Apocalipse 3.10, que pelo menos permitiria uma interpretação pré-tribulacionista. “Outra questão importante em Apocalipse 3.10”, conforme ressalta Erickson, “é o significado do verbo tereo. Quando está em vista uma situação de perigo, tereo significa ‘guardar’. O perigo está implícito na idéia de guardar. Sendo assim, se a Igreja está no céu nesta ocasião, conforme o ensino pré-tribulacionista, então, qual poderia ser o perigo que necessita a mão protetora de Deus sobre ela? Em João 17.15, tereo também ocorre juntamente com a preposição ek: ‘Não peço que os tires (airo) do (ek) mundo; e, sim, que os guardes (tereo) do (ek) mal’”.vii Portanto, em João 17.15, as palavras de Jesus nos ensinam que podemos ser guardados do mal sem necessariamente sermos tirados do mundo. O povo hebreu foi guardado das pragas que caíram sobre o Egito, mesmo estando dentro do Egito. Eles não precisaram ser arrebatados para serem guardados das pragas. É preciso também que se faça distinção entre “ira de Deus” e “perseguição do Anticristo”. Concordamos que a Bíblia ensina que seremos protegidos da ira de Deus (1 Ts 1.9-10; 5.9; Rm 5.9), mas, como já vimos, não é necessário ser arrebatado para ser guardado do mal.
Portanto, não existe nenhuma base bíblica para ensinar que a Igreja não passará pela Grande Tribulação. Mas, ao contrário, como vimos, existem dezenas de textos que ensinam que a Igreja passará pela Grande Tribulação. Todos os registros históricos até o advento do dispensacionalismo (1830) revelam um ponto de vista pós-tribulacionista e não existe sequer um único texto neste longo período de quase dois mil anos de história da Igreja que registre a idéia pré-tribulacionista de um arrebatamento secreto para livrar a Igreja da Grande Tribulação.
Sendo assim, concluímos que a Igreja não só passará pela Grande Tribulação como já passou e, em muitos lugares e sentidos, tem passado por ela. E, baseados em Ap 20, podemos também concluir que haverá uma feroz investida satânica contra os discípulos de Cristo no final dos tempos, o que concorda também com o texto de Ap 12:12, que diz “ai da terra e do mar, pois o diabo desceu até vós, cheio de grande cólera, sabendo que pouco tempo lhe resta”.
i Exemplo de textos que falam do sofrimento cristão: Ap 1.9; 2.3,9,10,13; 6.9s; 7.9-17; 12.11,17; 13.7,8; 14.1-5,13; 16.15; 22.14; 2 Tm 1.8,12; 2.3,12; 3.12; Mt 5.11,12; 10.16,22,24,25,28-33,38-39; 22.2-6; Ef 3.13; 6.12; Fp 1.21,28,29; 3.10; 2 Ts 1.4,5; 1 Pe 1.6,7; 3.14,17;4.1,12-19; Jo 15.18-20; 16.33; At 14.22; Rm 8.17s; 12.12,15; 2 Tm 2.12; 3.12; Rm 5.3; Hb 11; 12.2-3; Sl 34.19; Tg 1.2-4,12; 5.7-11 1 Ts. 1.6; 3.4; 2 Co 1.3-10; 2.4; 4.7,8,11,17; 5.4; 7.4; 8.2; 11.23-27)
ii Comparar com 2 Ts 2.1.
iii Sobre esta questão, recomendo a leitura do livro “Teologia do Novo Testamento”, Ladd, JUERP, 1993, pp. 516-518.
iv Ladd, George, “A teologia do Novo Testamento”, JUERP, 1993, p. 513).
v Ladd, The Blessed Hope, p. 31 Apud Erickson, Millard. Um Estudo do Milênio São Paulo: Vida Nova. 1991, p.122.
vi (J. Walvoord, The Rapture Question (1957) ,p. 148, Apud Ladd, George “Teologia do Novo Testamento. JUERP, 1993, p. 514.
vii Erickson, J. Millard - Opções Contemporâneas Na Escatologia - Ed. Vida Nova - 1a ed. SP, 1982, p. 126.
Fonte: http://escatologiacrista.blogspot.com/2008/02/grande-tribulao.html (acessado em 13/01/2010)